terça-feira, 11 de janeiro de 2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Pensamento Feminino (ainda de Natal)...


Descobri que hoje, na Irlanda, se celebra o Pequeno Natal (em irlandês, Nollaig Bheag).
Razões históricas e fundamentos à parte, o que realmente me interessa é que este Pequeno Natal é também conhecido pelo Natal das Mulheres. Nada do másculo Dia de Reis! Uma nação resolveu destituir o poder dos homens e abrir caminho ao domínio igualitário das senhoras. Sublinham a fluorescente a importância do sexo feminino e da igualdade de direitos. Gosto.
Neste dia as mulheres deixam todas as tarefas domésticas a cargo dos seus respectivos, vão passear, sair com as mães, irmãs, primas, amigas ou, simplesmente, sozinhas, celebrando assim o facto de serem MULHERES.
Assim sendo cá em casa hoje é Irlanda. 
Um país é, afinal, onde uma mulher quiser!... 


quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Post scriptum...



Só para dizer que esta é a única música da Katy Perry que realmente ouço com prazer. Tanto a letra da música como o videoclipe conseguem emocionar-me...
A música é comercial? É. Tem uma grande melodia? Não. Gosto? Muito. 
:)

A realidade fica-vos tão bem...


O velho ditado “nem tudo o que luz é ouro” aplica-se inúmeras vezes a mil e uma situações do nosso quotidiano. Ontem, a notícia de que uma meteórica estrela do panorama musical internacional tinha perdido o brilho, foi diz-que-diz-que em todos os recantos, até os mais recônditos, da internet. Aqui d’el Rey (!), que a cantora Katy Perry é, simplesmente, humana. A celebridade internacional, afinal, não acorda maquilhada e com rosto de boneca de porcelana vintage, ao lado do seu belíssimo e, também, famoso marido.
Katy Perry canta comercialmente e encanta, particularmente, pelo seu aspecto. Toda ela é um produto fabricado e muito bem conseguido da onda retro que nos invadiu nos últimos tempos. Eu pessoalmente gosto muito, não tanto das cantigas, mas do resultado de toda aquela imagem que parece esculpida em irreverência de bom gosto.
Todavia, como é óbvio, tenho a consciência que, se passar pela senhora na rua e esta estiver sem produção, a confundirei com qualquer outro “reles” mortal. Deduzi que quase toda a gente teria a mesma percepção. Ohhh ideias pré-feitas-maravilha, mania a minha de adivinhar a raça humana pela minha bitola!
A notícia estourou como uma bomba em facebooks, twitters, myspaces e blogosferas: Katy Perry foi fotografada pelo marido, ao acordar, e afinal é feia. E até faz caretas desagradáveis “and soi on and soi on”. Li de tudo, e quase tudo era pouco abonatório à menina que canta mas, pelos vistos, já não encanta. Desencantou sobretudo a classe humana portadora de pénis e, assumidamente, heterossexual, que lhe teceu comentários muito pouco elogiosos. Hello, hello rapaziada, os sonhos são bonitos, mas nada como viver com os pés na terra.
Olhem para a mulher que acorda ao vosso lado, companheira de uma vida ou de uma noite só, e admirem o facto de ser natural. Russel Brand, o marido bem humorado da cantora, gritou ao mundo isso mesmo: estou casado com uma pessoa normal, que acorda sem belezas falsas, que faz carantonhas estranhas e que eu amo assim mesmo! Para mim não há prova de amor maior. O senhor é brincalhão, com um sentido de humor muito peculiar (sim, admito, gosto dele, gosto muito) e provavelmente não pensou na repercussão que teria a dita imagem nesta sociedade estereotipada em que vivemos. Consta que a fotografia foi retirada pouco tempo depois do Twitter, mas já tarde demais para que esta se divulgasse nos media. Não sabemos se a Katy usou de alguma colher-de-pau como reprimenda, se fez greve de sexo por ter sido assim exposta ou se, como teria acontecido comigo, não se importou nada, até achou piada, mas as obrigações contratuais impediram a continuação da reprodução, voluntária, de tal imagem. Sim, em segundos e num clique, todo um trabalho de meses (anos) em torno da imagem da artista, foi desconstruído. Por mim, ainda bem.
Eu deste lado, no alto da minha insignificância mediática, sendo uma mera desconhecida (amén!) que pode andar à vontade na rua, continuarei a publicar no facebook algumas fotografias minhas nas quais estou “feia”, a brincar e a rir às gargalhadas ou, simplesmente, a torcer o nariz e a distorcer a minha cara.
Porquê? Porque sou eu a 100%... e a realidade fica-me (tão) bem.

 (fotografia retirada, excepcionalmente, do Google, e não do deviantArt)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sobre o mais-vale-parecer-do-que-ser-a-quanto-obrigas!…

A propósito do meu carro novo, verdinho, verdinho, cor lemongrass feminino, uma amiga (daquelas com “a” pequeno) comentou que agora estou mais fashion, mais in, com mais estilo, mais tcharraaaaaannn, em suma, mais interessante. Sim, consta que ostentar um objecto novo de pequeno-grande-porte me torna mais apetecível e com uma aura mais desejável. Diz que mais-vale-parecer-do-que-ser e que, apesar de ter os bolsos vazios e todas as minhas poupanças se terem esvaído naquele stand de automóveis, sou mais bonita e cobiçável assim. Sim, comprar um carro “em condições” porque preciso de andar na estrada diariamente em segurança e que é condição sine qua non para poder voltar à labuta, torna-me mais bela, aprazível e bem sucedida.
Bullshit. Treta. Lérias sociais que me dão urticária mental.
A amiga em questão poderia estar a brincar, mas não estava. Convicta do que dizia e segura de que me tecia o maior dos elogios, dissertava sobre as maravilhas do meu “sapinho” lemongrass. Entrei em modo de resposta automática, enquanto ouvia o seu discurso vazio e me transpunha para tudo o que está para lá disso, para o cerne da questão.
Respondia:
- “Sim?!”
- “Hummm…”
- “Hã hã…”
- “Claro.”
- “É.”
Respostas curtas e concisas para o tanto que me apetecia desatinar. Já há muito que desisti de combater este “vazio intelectual”. Para mim é falta de inteligência emocional alguém orientar a sua vida somente segundo os parâmetros do que fica socialmente bem e é sinónimo comunitário de sucesso.
Em simultâneo ao bendizer do meu carro novo, maldizia a colega de trabalho. “Porque também tem um carro ‘xpto’, mas mais valia andar a pé que fazer aquelas figurinhas ao volante!”. Não gosto. Não gosto mesmo. Não suporto ouvir falar mal de algo ou de alguém gratuitamente, só porque a dor de cotovelo, ou a maldade, grita alto. Nestes momentos gostaria que certas mulheres tivessem um pénis… não que fossem homens, mas que tivessem um que as satisfizesse e colocasse um sorriso na cara. Uma alma consolada faz milagres. Talvez a pessoa que é amada saiba amar melhor, por consequência. Ou talvez quem assim reage até seja muito amada, mas tem um qualquer defeito de fabrico evolutivo que impede o seu espírito de ir mais longe.
Neste momento paro, escuto e olho… sinto alguma pena dessas pessoas que, não sendo propositadamente ruins na sua maledicência, são como ervas daninhas, que se espalham em muitas existências e ensombram mordazmente vidas alheias. Paro e olho para mim mesma, sabendo que, por vezes, já me deixei contaminar por esse tipo de veneno e deixei que o “meu jardim” ficasse igualmente vil. Leio-me em voz alta, escuto-me e decoro aquilo que considero ser o certo. É tão difícil mantermos a personalidade perante certos ataques externos, perante o mais-vale-parecer-do-que-ser-a-quanto-obrigas! Olho para a futilidade associada ao conceito e, curiosamente, até me parece atraente. Mentalizo as minhas convicções e passo ao largo, não sem antes olhar bem e sentir essa realidade, que na minha essência não encaixa. Experimentar sabores alheios e agridoces, por vezes, até sabe bem.
No entanto, sem hipocrisias: adoro o meu carro cor lemongrass feminino. Não porque me fica bem, mas porque sim. Porque gosto. Melhor que essa coloração só se fosse roxo, pintalgado aqui e ali de violeta. Isso sim, seria perfeito. Gosto ainda mais de estar cheio de compartimentos “secretos”, alguns deles onde cabem na perfeição dois ou três pares extra de sapatos, que poderão ser úteis conforme as vontades do momento. E ficam ali escondidinhos, num lugar que só eu vejo e sei. Feminilidade vã, ao rubro. Para ser aquele exemplar irrepreensível, daquele carro com que sempre sonhei, poderia ter um estojo de maquilhagem básico incorporado e, já agora, estacionar sozinho entre lugares apertados. Adoro conduzir, detesto estacionar. E voilá! Um quatro rodas de sonho, porque eu assim o dito e não porque alguém mo diz. Aquele objecto que, para além de útil (imprescindível, diria eu), me faz realmente feliz, em vez de dar a ideia de que tenho tudo para o ser.
Porque, afinal, mais-vale-ser-do-que-parecer.


quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

... e assim a vida nos dá um sapo!


Aquela meia hora até chegar o INEM durou uma eternidade. Passaram duas ambulâncias antes da “minha” (parece que mais gente se solidarizou comigo naquele dia e naquele percurso), chegou a PSP (cavalheiros, muito cuidadosos, atentos e pacientes) e aturámos centenas de mirones. Sim, é esse o termo, “aturar”. Fiquei incrédula quando vi a quantidade de automobilistas cuja curiosidade mórbida se sobrepõe ao bom senso. Há que abrandar o carro ao ponto de quase estacionar em cima do acidente, olhar bem para o veículo desfeito e tecer comentários, olhar melhor ainda para a pessoa acidentada e ver se tem sangue (de preferência muito, para valer a pena o espectáculo gratuito!) e depois seguir m-u-i-t-o-d-e-v-a-g-a-r a olhar pelo retrovisor. Não os preocupa se atrasam meio mundo ou se causam outro acidente. O seu apetite doentio pela desgraça alheia sobrepõe-se a tudo. No entanto, os simples automobilistas, não são os únicos sanguessugas de azares que não são seus. A televisão (a TVI, mais precisamente) lá esteve. Parou em cima do acontecimento, escrutinou tudo ao ínfimo pormenor, percebeu a ausência de sangue abundante e, sem um bom dia ou boa tarde, seguiram caminho para o acidente mais próximo (que os havia, infelizmente, naquele dia). Já o repórter de trânsito da Rádio Festival (faça-se a publicidade merecida) parou, perguntou se a ajuda era necessária, fez a reportagem e, pelo que sei de quem lá ficou depois de me levarem para o hospital, ainda ajudou a arrastar o carro desfeito para a berma da estrada e ajudou a polícia e os envolvidos no acidente a varrer o chão recheado de restos do acidente. Sim, porque ainda há quem seja profissional e simultaneamente não abandone o seu lado humano e o seu discernimento prudente.
Chegou finalmente o INEM. Ali estava eu de pé, inteirinha, mas a precisar de ser diagnosticada por um médico. Estabilizaram-me, fizeram-me todos os testes possíveis no local, muitas perguntas e… aí vamos nós para o hospital.
À chegada fui recebida com uma pérola por parte do maqueiro de serviço:
- “É por estas e por outras que as mulheres ao volante são um perigo constante!”
- (Ahhh? Hummm?! Oiii?) “Sim, sim, eu também costumo brincar com esse dito popular!”
- “Não estou a brincar ó dona!” - (o que eu ODEIO que me tratem por “ó dona”!) – “Devia ser proibido deixar uma mulher conduzir.”
- (cheia de vontade de descer do salto) “Sabe, se eu não fosse mulher, se não guiasse com cuidado, se não fosse a 60kms/h numa via rápida na qual desmaiei a conduzir, não estaria aqui a falar consigo. Se fosse homem estaria agora a entrar na morgue, mas orgulhoso de o ser e de ser herói do asfalto!”.
Não conseguia ver a cara do senhor maqueiro, estava completamente imobilizada e só via “em túnel” para o tecto, mas gostava de o ter visto. Gostava mesmo. Por segundos fez-se silêncio, o senhor em questão calou-se e o médico do INEM começou a rir-se e a dar-me razão. Tenho tendência nestas situações para fazer filmes mentais. Imaginei o senhor maqueiro, ao estilo Rainha Má da Branca de Neve, a dizer algo em surdina como:
- “Pénis, pénis meu, existirá macho mais idiota que eu?”
Ri-me sozinha e deixei esse exemplar masculino para trás. Estava finalmente entregue a médicos e enfermeiros que me faziam perguntas e mais perguntas, que me esmiuçavam e me encaminhavam para exames e mais exames, TAC’s, Raios-X, electrocardiogramas, análises e tudo aquilo que tinha, por segurança, direito.
Enquanto eu fazia os exames e o meu marido não chegava, entretinha-me com os meus pensamentos e a minha visão “em túnel” de tectos hospitalares. Pensava que à pergunta do exemplar macho da Rainha Má, a resposta era “sim!”. Sim, há machos mais idiotas que aquele. Muitos, muitos. Não há estatísticas que consigam derrubar preconceitos enraizados socialmente, desde que o carro se conhece como tal. Já os carros puxados por cavalos eram, quase na totalidade, orientados por homens. Até os coches que levavam as princesas em tempos antigos eram guiados por varões. As charretes e carroças que transportavam a plebe, também. Muita barba, muita maçã de Adão, muita testosterona, muito músculo. Assim é que era, assim é que, segundo os puristas sociais, deveria continuar a ser.
Lamento, mas aqui a mulher, neste caso, não gostaria de ter um pénis. E cá estou para combater fundamentalismos sexistas, pacificamente, à minha maneira. Adoro conduzir. Faço-o desde os meus 18 anos, há 18 anos precisamente, sem um único acidente no curriculum vitae da condução. E penso que, não fosse ter perdido os sentidos por razões que não controlei, continuaria incólume o meu percurso.
O meu marido entretanto chegou, um metro e oitenta e três de chão, que me ajuda a andar e a seguir com um sorriso a minha vida. Exames feitos, tudo óptimo, entre amassadelas, pisaduras e nódoas negras que passaram em 15 dias. Estou (quase) como nova e (quase) pronta para outra. O hospital ficou para trás, o receio de voltar à estrada nem tanto. Por muito que goste da condução ainda fico sobressaltada indo “à pendura” com outra pessoa a conduzir. Sinto-me a pôr constantemente o pé no meu travão imaginário e sou uma companhia-melga, sempre a dizer “Cuidado!”, com isto ou com aquilo. Enfim…
Vou no entanto hoje buscar o meu “sapinho”. Sim, um “sapinho”, daqueles que têm quatro rodas, cinco mudanças e muita vontade de ir comigo para o asfalto. O meu novo carro é verde e, quando lhe der beijinhos, transformar-se-á num príncipe, cavaleiro-andante com não sei quantos cavalos, que me levará de agora em diante por esse reino fora. E não haverá maqueiros–machos-rainhas-más que me tirem a vontade de o fazer.

(wish me luck!)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A vida tem tempero, mesmo quando não o queremos...


Assim foi, pés a caminho, que a vida não pára nem espera pacientemente por nós. Podia fazê-lo, mas tirar-lhe-ia o sal e a pimenta, todo aquele tempero que nos faz rir ou chorar. Às vezes uma máquina do tempo faria jeito para rebobinar uns segundos, acelerar um pouco, ou fazer uma pausa. Voltar atrás numa decisão mal ponderada e avançar um encontro com alguém que não desejamos. Ou então, simplesmente, aproveitar as coisas boas da vida, suspendendo pelo tempo desejado aquele beijo inesquecível, ou tornar ainda mais demorado o abraço que já era longo. Uma vez mais seria útil ter um pénis, consta que os homens são mais engenhocas e capazes de invenções com porcas e parafusos e esquemas e orientações do estilo 1+1=2. Não vejo mulheres a ler as instruções de um aparelho eléctrico, a não ser que haja alguma dúvida específica e seja necessário consultar aquele parágrafo em particular. Somos mais práticas e despachadas, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Somos capazes de fazer dez coisas em simultâneo e todas, mas mesmo todas, ficarem razoavelmente bem feitas.
Ter-me-ia dado muito jeito essa máquina do tempo há uns dias atrás. Imenso.
Acabada de sair do médico com a má notícia “na mão”, entrei no carro e resolvi ocupar a cabeça com coisas práticas: vidinha do dia-a-dia e trabalho. Os pensamentos sucediam-se em catadupa ao estilo pescadinha-de-rabo-na-boca, indo invariavelmente bater na mesma tecla: gravidez (ou ausência dela). Pensava nas noites mal dormidas dessa semana, pensava na confusão que me esperava na escola onde dou aulas por ter deixado tudo em suspenso na semana anterior, pensava na tristeza que sentia e nas lágrimas derramadas, pensava nas centenas de testes por corrigir, pensava no sorriso do meu filho e na força que este me dá, pensava no sorriso do outro bebé que nunca cheguei a ver, pensava nas reuniões que tinha que preparar, pensava no desconforto hormonal e na instabilidade emocional que sentia, pensava em como tudo isto era invisível aos olhos de todos, pensava nos alunos que me contactavam insistentemente para tirar dúvidas disto e daquilo, pensava no quanto gosto do trabalho que faço, pensava que as férias de Natal estavam quase, quase a chegar e poderia, finalmente, descansar. A caminho da escola pensava, pensava, pensava, até que deixei de o fazer. Involuntariamente. O impensável aconteceu em segundos: em plena via rápida perdi os sentidos e bati contra um camião de reboque. Ou melhor, entrei pelo reboque adentro. Enfaixei-me num monte de ferro andante e desfiz o carro.
Nesse momento a capacidade de rebobinar o tempo seria providencial. Nunca teria sequer metido a primeira mudança e andado mais que 5 metros. Teria pedido uma boleia directa a casa ou, melhor, teria ido a pé e arejado as ideias.
Tudo aconteceu no entanto, e dentro das circunstâncias, em modo milagre. Ia com muita calma, devagar para o percurso em causa, a cerca de sessenta kms/hora. Ia direitinha atrás do tal camião, a uma distância de segurança grande. Quem ia atrás de mim, estava com os mesmos cuidados. Desmaiei e, segundo me disseram os condutores do carro que me seguia, acelerei de repente. O meu pé deve ter pousado com mais pressão no acelerador. E lá fui eu, em linha recta, espetar-me no tal monte de ferro. Lembro-me de ter entreaberto os olhos um instante antes do embate, e de ainda ter tido tempo de pisar o travão. Tarde, muito tarde. Num segundo tinha o meu Opel Agila azul desfeito, via airbags por todo o lado e muito fumo. Preocupava-me naquele momento, e só, com uma coisa: encontrar o meu telemóvel e chamar o meu marido. Chorava e procurava o dito aparelho. Precisava da “minha metade” do meu lado, nada mais me importava. De repente, do lado de fora, apareceram pessoas que batiam com força nos vidros e me pediam para abrir a porta. Percebi nesse momento que as portas não abriam e que estava fechada lá dentro, no meio do nevoeiro provocado pelos airbags, sem conseguir sair. Dois senhores do lado de fora gritavam e preparavam-se para partir os vidros de trás e me tirar dali. De repente o sistema eléctrico do carro funcionou de novo e consegui soltar-me. Saí do carro pelo meu próprio pé, aparentemente com nada mais do que uma queimadura de abrasão, provocada pelo cinto de segurança, e o corpo dorido.
Primeira pergunta do casal que ia no carro atrás de mim, mal cheguei à berma da estrada:
-“Está grávida?”
(o que eu queria ter um pénis naquele momento, a um homem ninguém pergunta tal coisa…)
-“Não, já não estou…”
Começou a chover copiosamente nesse momento, a substituir a chuvinha molha-tolos que antes caía. Parecia que o tempo se solidarizava comigo e entrava em dilúvio em simultâneo.
-“Não, já não estou grávida, estava na semana passada, mas já não estou… não estou.”
Dizia alto que não estava, mas todas as minhas hormonas diziam ainda que sim. A minha cabeça dizia que sim. O meu útero dizia que sim. A minha alma dizia que sim. Só a minha boca se atrevia a proferir a realidade, todo o resto do meu corpo ainda estava em negação.
Enquanto ouvia a senhora desse casal a dizer “Por um lado ainda bem que não está, com a violência do acidente teria perdido o bebé”, percebia que alguém chamava o INEM, que outro alguém orientava o trânsito que imediatamente tinha ficado congestionado, e que o condutor do camião me esticava o seu telefone e dizia: “Ligue ao seu marido!”. Ficarei eternamente agradecida aquelas pessoas, mas principalmente ao condutor do camião cuja traseira desfiz. Incansavelmente me perguntava se estava bem, se precisava de algo, abrigava-me com um guarda-chuva, ia buscar os meus pertences no meio da chapa desfeita. Falei com o meu marido que, saído do trabalho a voar, em vinte minutos estava ao meu lado. Finalmente sentia um pouco de paz e segurança. Sentir a pessoa que amamos ao nosso lado é ter chão, finalmente, por baixo dos pés. 

(continua)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Natal é...


... depois das festividades, depois da alegria, das iguarias, da boa disposição, despedir-me da minha família na aldeia e ouvir a despedida de sempre:

- Adeus Insigne Viajante!

Resposta pronta na ponta da língua...

- Adeus Insigne ficante!

Sorrisos e cumplicidades a encerrar os momentos nos quais sou mais feliz.




quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Amor é...

… receber um telefonema inesperado, quando, em casa, nos preparamos para almoçar sós:

- Estou?
- Olá amor! – sussurrado num tom de voz rouco, muito mais baixo que o habitual – Estava aqui a ler o teu horóscopo, e diz que o amor te vai bater à porta…
- Aahhh??!!!

E nesse momento um Truz Truz Truz ecoa na porta do lar de ambos, uma gargalhada se solta, uma chave corre depressa e o mais inesperado e doce abraço entra sem aviso. 
O beijo, esse, perdurou até à sobremesa.


Pensamento Feminino de Natal:

Nunca desistas dos sonhos...
... se não houver na pastelaria mais próxima, pede à mãe para fazer.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

(Re)Começo

E assim começa...
Um certo dia de manhã cedo, muito cedo. Uma noite mal dormida, aliás, não dormida. Uma gravidez que não seguiu em frente e as hormonas ainda aprisionadas aos pulos dentro do corpo. A alma espartilhada no útero e escondida do mundo. Uma vontade imensa de, pela primeira vez na vida, não ser mulher.
Hoje queria ter um pénis. Muito. Quem tem um pénis não sabe o que isto é. Sente também a emoção, o desnorte e o desespero de um aborto que toca aos dois. À mulher e ao homem. Ao casal que intensamente desejou aquele pequeno embrião que já se formava e desenvolvia. Sim, toca aos dois, mas só consome um. Devora a mulher que, vazia, sente o corpo ainda cheio de tudo: do amor, da raiva, dos desejos, do oco, da paixão, da chama que se apagou. Do tudo e do nada. Do raio do nada.
Pés a caminho rua fora, sem o pénis, e a vestir uma vergonha sem razão de ser. Sim, vergonha. Inconscientemente (ou talvez não) a desonra social ali está. As pessoas perguntam-me: “então, e a gravidez?” e aqueles que não a sabiam “para quando mais um bebé?”. Ohhh ‘pa, silêncio! Shiuuuuuuuu! Calou. Seremos mesmo obrigados a fazer conversa que melindra? Isso é como o “estás mais magra!”, ou o “estás mais gorda” velado e dito em silêncio com o olhar que perscruta o corpo alheio. Futilidades como “que linda a cor do teu verniz das unhas” dito em voz alta versus “já pintavas as unhas, mas não te digo nada porque não me ficaria bem, mas não penses que vou dizer bem de ti à amiga… e já pintavas as raízes do cabelo também”. Apre! Apre três vezes e com rezas anti-mau-olhado à mistura. E lá tenho eu que, entre sorrisos amarelos, dizer suavemente que “fica para a próxima”, “há que não desistir”, “enquanto há vida à esperança”, e por aí fora. Apre, apre, apre!
Que vontade de mandar a maioria dessas pessoas para o pénis-mais-velho, como um homem pode dizer sem ser julgado. Já a uma mulher fica mal (pois fica, e a um homem também, por sinal) e nada de praguejar injúrias menos próprias. Está bem. Isso até o faço, não me custa, embora a vontade de o fazer por vezes quase, quase, quase, mas mesmo quase, se sobreponha à minha educação.
Adiante. Pés a caminho outra vez. Rua fora. Cabelo apanhado, fragrância Chanel nº5 e sorriso simpático nº 7. Sem pénis, alma estilhaçada, mas cabeça erguida. Sempre. Como uma Mulher com M grande sabe, eternamente, fazer como ninguém.